Sobre o amor
Histórias
se entretecem no cotidiano apressado e transformam a cidade num território de
afetividades. Ações e memórias fixam-se
através das vozes misturadas à paisagem
sonora urbana. Vozes veladas, solitárias, coletivas, silenciosas, familiares, ruidosas,
de tom grave ou agudo, em altíssimo e bom som, ecoam entre os carros e os
transeuntes velozes como narrativas particulares.
Há
muitas maneiras de se amar uma cidade.
A
jovem empresária que traça o planejamento urbano para o futuro. O trabalho
minucioso da costureira, em um barracão de facção, distante do centro,
produzindo peças para serem usadas por outras mulheres que, provavelmente,
nunca a conhecerão.
A
atriz que coordena os palhaços-doutores,
especializados em “besteirologia,” para desenvolverem um revolucionário
tratamento médico no qual a alegria é o remédio. A mulher, de sorriso luminoso
e olhar atento, que orquestra sonhos e dá sentido à vida de muitos jovens que
transitam nas bordas da cidade. A mulher persistente, de sotaque italiano, que mostra
que “deficiente” é, na verdade, quem não crê na ampla possibilidade do pulsar
da vida.
A
fotógrafa que desafia os padrões estéticos da sociedade criando novas
representações para o corpo contemporâneo. A fotógrafa que captura o “instante
decisivo” para marcar, indelevelmente, na memória, a história de cada um.
As
mulheres destemidas e ruidosas que saem em marcha pelas ruas para reivindicar
direitos e equidade para as diversas identidades. Novas formas de atuação
política. Tempos de feminismos pós-modernos.
As
cantoras que embalam as noites da cidade entre o jazz e a mpb, o blues e o rock
and roll, o samba e o rap. A mulher que apresentou ao público londrinense a
arte de Kazuo Ohno. A mulher que despertou “ouvidos pensantes”. A mulher que
aproximou a música dos projetos sociais.
As
escritoras que rasgam a pele do leitor com a fina lâmina das palavras. Algumas
extraem sentimentos até os ossos, destemperando as emoções. Outras o enlaçam
voluptuosamente a sensíveis desafios diante de narrativas nos jornais de
domingo.
A
mulher que alivia as dores e cuida de corações cansados, apaixonados,
apertados, partidos, pulsantes, alegres, oprimidos, tranquilos, magoados. A
mulher que desvenda o inconsciente e resgata símbolos ancestrais para que se possa
compreender a complexidade e os mistérios do ser.
A
professora apaixonada por filmes de Bette Davis, que permanece alimentando gerações
de londrinenses com seus ensinamentos a cada reencontro. E tantas outras
mulheres que, no ambiente da casa e do mundo, apontam maneiras diferentes de
olhar as questões do cotidiano, por mais simples que sejam.
Estas
são as vozes que arquitetam a cidade.
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