Pedro (romance)
Luiz Taques
(Capa: Regina Menezes)
Kan Editora/ 2013
Um rio de palavras
Karen Debértolis
Buraco
Quente é o mundo e, ao mesmo tempo, apenas uma cidade `a beira de um rio
doente. Neste lugar, grotão do planeta, entretecem-se, através dos fios das
palavras de um narrador em primeira pessoa, histórias e relações carregadas de
rudeza, delicadeza, complexidade e simplicidade. Tudo, na mesma medida,
expande-se em tensões e calmarias numa narrativa que tem como temática
principal a perda.
O
romance “Pedro” do escritor e jornalista Luiz Taques, publicado pela Kan
Editora e lançado no começo deste ano, desafia nosso fôlego emocional diante
das ondulações de ritmo do texto semelhantes ao fluxo de um rio em sua vasta
extensão.
A
história concentra-se na longa carta que o irmão, em alto e bom som, escreve para
Pedro após a morte do pai. É possível ouvir os tons de voz do narrador em seu desabafo
com gosto de acerto de contas, rememorações do passado, reflexões sobre a vida,
o mundo, a política, a intolerância, os conflitos sociais.
As
agruras do mundo são meticulosamente expostas como feridas, a princípio
intocáveis, através de metáforas utilizando elementos como os peixes que vivem
naquele rio outrora tão fértil (“mulher é um animal de enfrentamento feito
tucunaré”) e a natureza (“ele é tronco
madeira, queria dizer que o camarada, ou
a mulher, era uma pessoa resistente”).
Tudo
converge para o rio. Pessoas, experiências, sentimentos, emoções tudo navega
ali no quintal aquático daquela cidade. Os peixes, além de alimento e sustento
econômico, são ainda a constituição da alma daquelas pessoas. Mesmo doente e
falível, um anti-herói de certa forma, o rio -“síndico ético” deste “enorme
navio” que é a cidade e seus sujeitos - é a única salvação para cada habitante
de Buraco Quente.
Entre
os sentimentos que o irmão vai mastigando de maneira amarga, estão o rancor do
abandono – de Pedro para com a família, das irmãs mais moças em relação `a vida
ou da família de si mesma – e a traição. Seja a traição do ponto de vista
amoroso, que grassa no escuro da noite na cidade, ou em outros aspectos da vida
cotidiana – como na política, por exemplo.
`A medida que a narrativa avança, as dúvidas
surgem através dos comprometimentos de tantos nomes que a memória resgata de
histórias mal contadas ou de boatos `a boca miúda. As dúvidas também pairam sobre
possíveis traições da mãe, que resiste
bravamente diante das tristezas da vida como um “tronco de madeira avelhado”, e
do pai, morto e que agora mantém seu passado em mistério inacessível.
Estas
incertezas, estes segredos que podem estar mantidos a sete chaves no
guarda-roupas, o qual a mãe cuidadosamente tranca ao sair de casa, ecoam nas
tantas histórias corriqueiras de pequenas e grandes traições de personagens diversos.
Um dos motores da vida social da cidade.
As
rudezas da vida são abordadas com a delicadeza de um texto em que o exercício
da linguagem é evidente. A narrativa segue aos borbotões, verborrágica e
atraente. O narrador vai destilando memórias e observando os pequenos pecados do
local.
Como
alguém onisciente e onipresente, entretece nestas linhas tortas outros
conflitos que são universais e transformam Buraco Quente no mundo. E não mais
na cidade poeirenta `a beira de um rio doente que, aos poucos, perde seus
peixes.
Em
uma destas passagens lembra quando o irmão sonhava em levar a mãe para viver na
cidade grande, longe do rio. Fazendo uma projeção, o narrador imagina a mãe
definhando lentamente no árido espaço urbano. Uma imagem sintetiza em que
poderia resultar este trágico deslocamento, o qual se repete em tantas famílias:
“e, como aliança no anular, controle da teve não escaparia mais da mão destra
de mamãe”.
O
olhar arguto e os ouvidos atentos de Taques, seu texto vigoroso e envolvente
como a correnteza de um rio, são os ingredientes deste livro que faz um
mergulho nas águas turvas das rudezas da vida.
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